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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Interoceânica - Do Acre ao Peru


   Essa aventura começou a tomar forma em janeiro de 2013 quando estava pedalando na serra catarinense seguindo para o Uruguai. Saindo de Urubici (umas das cidade mais frias do Brasil) encontrei um caminhante chamado Antonio Cesar Cogo e fiquei assustado, pois o mesmo estava fazendo um percurso de 400 km a pé. A reação dele em relação à minha pessoa foi a mesma, pois eu iria pedalar mais de 2000 km com uma carga de aproximadamente 35 kg. Trocamos informações e seguimos nossos rumos. Já em casa recebo uma solicitação de amizade do Antonio numa rede social e ao conversarmos ele revelou que gostaria de pedalar no Peru. Pronto, a partir daquele momento nascia a ideia de mais uma aventura. Como o Antonio, gaúcho de nascimento, estava morando em Rio Branco (ele é professor concursado), foi fácil encontrar um trajeto perfeito para chegar até Machu Picchu.
   Pois bem, programamos e decidimos que a viagem seria em janeiro de 2016, saindo de Rio Branco e chegando em Cusco pela Estrada do Pacífico. Por alguns compromissos o Antonio não conseguiu me acompanhar durante todo o trajeto, mas fez questão de me hospedar em sua casa, me apresentar a capital acreana e de pedalar comigo até o trevo de Xapuri.

   Abaixo deixo os vídeos e na medida do possível, os relatos.




RELATO

Paranaguá - Curitiba - Rio Branco/AC - 112 Km - 05, 06 e 07/01/16

   Havia chego o dia da partida e o primeiro desafio seria subir a serra do mar em direção a Curitiba, um trajeto muito bem conhecido.
   A saída ocorreu um pouco depois das 6h da manhã e em menos de duas horas eu já estava fazendo a parada estratégica na lanchonete Bela Vista, após ter subido 5 km da serra. Ali descobri um pneu traseiro furado, paciência. Tirei um minúsculo arame do pneu, troquei a câmara e segui.
   Aos poucos fui avançando e conversando com outros ciclistas que estavam treinando na subida, sendo que um deles diminuiu o ritmo para me acompanhar por alguns quilômetros.
   Perto das onze horas da manhã cheguei no pedágio e fiz outra pausa no SAU (serviço de atendimento ao usuário). Lá encontrei novamente o ciclista com quem havia proseado e descobri que ele também havia percorrido os passos Stelvio, Gavia e Mortirolo. Show!
   Depois fiz uma rápida regulagem nas marchas e segui até o centro de Curitiba, onde almocei, comprei luz dianteira, meias e troquei dinheiro (reais p/ nuevos soles). Aqui vai uma dica: se você precisar de estacionamento para bicicleta no centro de Curitiba deixe na Bicicletaria Cultural, custa apenas R$ 1,50 a hora. O dono, Fernando Rosembaun, é um cicloturista experiente.
   Com tudo resolvido me desloquei até a casa dos amigos Sérgio e Beth, os mesmos que já foram relatados aqui na viagem da Bolívia. Lá a resenha durou horas....hehehe. Tomamos café, depois comemos pizza e assistimos vídeos das nossas viagens. Show!
   
   No dia seguinte tomei café e me despedi dos Mayer, pois iria visitar o bairro que morei por 28 anos. Obrigado pela hospitalidade família Mayer.
   Pedalei míseros 12 km o dia todo, incluindo uma busca por uma caixa pra embalar a bicicleta. Essa busca demorou, mas no fim deu tudo certo, pois o Jonas (dono da bicicletaria Velo Bikes, no Alto Boqueirão) conseguiu uma caixa quase no fim da tarde, obrigado Jonas.
   Enquanto esperava a resposta do Jonas, fiz um tour pelo meu antigo bairro revendo amigos de infância e me hospedando na casa dos amigos, Lucas, Lendro, Sebastião e Eni. Novamente a prosa durou horas e só foi interrompida para que pudéssemos (Lucas e eu) buscar a caixa.
   No dia 07 de janeiro tomei café com a Eni e o Sebastião, desmontei a bike, coloquei-a na caixa e antes de partir almocei com o pessoal. Obrigado Eni, Sebastião, Lucas e Leandro.
   No aeroporto despachei os equipamentos e aproveitei para descansar nas longas horas de voo até Rio Branco/AC. Ao chegar na capital acreana encontrei o Antonio Cogo e fomos direto para a sua casa, onde fiz um pequeno lanche e dormi. 

Rio Branco/AC - 20 km - 08/01/2016

   Esse foi um dia dedicado a conhecer a capital acreana, porém antes montei a bicicleta e conversei bastante com meus anfitriões, Antonio e seus pais. Todos são gaúchos, mas já tem um tempo que o Antonio se mudou para o norte do país ao passar em um concurso público para professor. Seus pais continuam morando no RS e estavam passando as férias na quente Rio Branco. Tão quente que decidimos sair só às 15h para evitar o sol ao meio-dia...hehehe
   Pedalamos pela avenida Ceará e pela ótima ciclovia da maternidade até a Biblioteca da Floresta, onde tivemos uma aula de história do Acre. Fantástico! Com exposições, vídeos, guias e uma réplica da casa de um seringueiro, aprendemos sobre os ciclos da borracha, a cultura indígena, a floresta amazônica e obviamente Chico Mendes, o símbolo da luta dos seringueiros. Pra conhecer mais sobre Chico Mendes: https://educacao.uol.com.br/biografias/chico-mendes.htm 





















   Saímos felizes com a cultura absorvida e fomos até o mercado velho, onde pude tirar fotos do famoso rio Acre.








   Na volta saboreamos um açaí e fizemos algumas compras num supermercado, chegando na casa do Antonio no período noturno. Aqui vale ressaltar que com a "proximidade" da Linha do Equador a claridade vai embora antes das 18h em qualquer época do ano e por isso meu planejamento da viagem era sair sempre bem cedo para conseguir vencer as distâncias antes de anoitecer.

Rio Branco/AC - Trevo de Xapuri/AC - 187 km - 09/01/2016

   Conforme foi dito no início dessa postagem o Antonio não pôde me acompanhar durante o trajeto inteiro, mas fez questão de participar do primeiro dia que começou às 4h da madrugada....hehehe
   Acordamos, tomamos café e saímos às 5h e 15 min, com o dia clareando. O bom desse horário foi o tempo mais fresco que possibilitou um deslocamento mais tranquilo.




   Foram 13 km até a saída oficial da cidade e depois mais 23 até a cidade de Senador Guiomard, onde ocorreu a nossa primeira parada para lanche. Na verdade foi uma espécie de segundo café da manhã, com tapioca, sanduíche, refrigerante e café. Eita coisa boa!







   Depois seguimos nossa pedalada e com aproximadamente 50 km entramos na BR 317, a famosa Estrada do Pacífico ou Interoceânica, que me levaria ao Peru e posteriormente muito próximo de Cusco.

   Com o devido registro feito continuamos o trajeto e nessa hora o sol começou a deixar bem desconfortável a pedalada, o que nos fez parar uns 18 km antes de Capixaba para tomar caldo de cana.
   Após essa parada estratégica completamos rapidamente a distância que faltava para Capixaba e lá seguimos à risca o planejamento de fazer um descanso maior, pois metade da meta havia sido cumprida. O bom é que havíamos percorrido 90 km antes das 11h da manhã e a ideia era manter esse ritmo pra chegar às 16h no trevo de Xapuri.
   Enquanto descansávamos, nos entupimos de coxinhas. Confesso que na hora de continuar me arrependi de ter comido tanto...hehehe.
   Aqui vale destacar que gostei bastante de Capixaba. A junção da ciclovia que atravessa a cidade com o jeito pacato me conquistou.














   Na estrada nossa companhia que até Capixaba era de pastagens, gado e castanheiras (as únicas árvores que sobraram, pois são protegidas por lei) teve algumas convidadas inconvenientes: as subidas.
   No planejamento elas pareciam ser ínfimas comparadas à imponente Cordilheira dos Andes, mas na prática elas fizeram um grande estrago na nossa pedalada, pois pareciam montanha-russa infinita. Ficar subindo e descendo sob um sol escaldante diminuiu nosso ritmo.











   Fomos avançando e fizemos duas paradas antes de completar os 187 km. A primeira ocorreu com 112 km pedalados e a segunda com 146 e em ambas descansamos por alguns minutos, bebemos muito líquido e comemos algo.
   Ao chegarmos no trevo de Xapuri vi que existia um posto de gasolina com lanchonete, um ótimo gramado para acampar e um posto policial. Melhor impossível...hehehe.





   Com autorização da polícia para montar acampamento e o consentimento do pessoal do posto para usarmos o chuveiro, só faltava comer e isso fizemos com maestria. Praticamente acabamos com o estoque de salgados da lanchonete enquanto assistíamos de camarote os relâmpagos que iluminavam o horizonte, torcendo para que o temporal ficasse longe. Se por um lado a torcida valeu a pena, pois apenas uma pequena e rápida chuva chegou ali no trevo, por outro sofremos com o calor durante o resto da noite. Paciência.

Trevo de Xapuri/AC - Assis Brasil/AC - 172 km - 10/01/2016

   O último dia no Brasil começou com um café na lanchonete do trevo e com a despedida do amigo Antonio Cogo que iria voltar para Rio Branco. Agradeço imensamente pela sua ajuda Antonio e quando vier aqui pro sul é só avisar.

   Pois bem, após a despedida iniciei a pedalada. No começo foram trinta quilômetros tranquilos, mas depois começaram as subidas, os buracos e, apesar das nuvens negras, o calor. Até chegar em Brasiléia foram 30 km nos quais eu xingava cada metro percorrido na Estrada do Pacifico...hehehe.














   Em Brasiléia (tríplice fronteira) pensei em desviar do trecho ruim e cortar caminho pela Bolívia ao invés de fazer uma volta enorme para entrar no Peru, porém após um bom descanso num posto de gasolina decidi que iria continuar o planejamento, afinal o sonho era percorrer a Estrada do Pacífico.
   Na saída da cidade tirei fotos na primeira placa que indicava a distância até Cusco (848 km) e descobri que faltavam 108 km para Assis Brasil....droga.




   Decidi dividir essa distância em duas partes: 50 km até um restaurante que me informaram e depois de um almoço/lanche os outros 58. Porém literalmente tudo foi por água abaixo, pois 30 km após a saída de Brasiléia começou um temporal que me fez pedir abrigo numa chácara. Todo molhado consegui o aval para esperar a chuva passar e por sorte acabei sendo convidado para comer um delicioso churrasco. Com não quis atrapalhar a festa do pessoal aceitei somente um copo de refrigerante e logo que a chuva diminuiu, parti.
   Com uma garoa média continuei a montanha-russa cheia de buracos. De repente vejo um carro parando e um homem puxando conversa. Seu nome era João Bosco, trabalhava com turismo e estava levando um amigo para conhecer uma trilha com o nome de Chico Mendes. Proseamos um pouco, tiramos fotos e nos despedimos.
   Ao seguir encontrei outra placa indicando as distâncias e o nome da estrada e é claro que parei mais uma vez para registrar o momento...hehehe






   Quando finalmente cheguei no restaurante dito anteriormente decidi não parar, pois alguns locais me disseram que mais a frente teria um bar ou uma lanchonete. E assim segui mais oito quilômetros até essa tal lanchonete, completando 60 desde a saída de Brasiléia. Lá tomei um refrigerante de um litro em cinco minutos, comi algumas bolachas e voltei à estrada para percorrer os últimos cinquenta mil metros do dia.
   Como eram 3 horas da tarde eu tinha pouco tempo de claridade, então acelerei a pedalada durante um bom tempo, porém sofri as consequências no fim do trecho, onde as subidas ficaram maiores. Praticamente me arrastei nos quilômetros finais.
   A felicidade foi imensa ao ver a placa de Assis Brasil e depois a aduana brasileira, onde fiz rapidamente os trâmites de saída do país e segui pra cidade no intuito de descansar.








   Antes das 18h eu já estava de banho tomado e bem instalado na pousada mais barata de Assis Brasil. Exausto, só saí do quarto para comprar comida e depois tentei relaxar o máximo possível. Confesso que planejei errado e achei que o trajeto entre Rio Branco e Assis Brasil seria plano, com isso sofri psicologicamente ao me deparar com subidas e descidas ininterruptas. Paciência.

Assis Brasil/AC - Divisa - Alerta/PE - 113 km - 11/01/2016

   O dia de atravessar mais uma fronteira pedalando havia chego, porém nem tudo estava perfeito, pois acordei com uma forte dor de barriga que me fez ir ao banheiro duas vezes antes de começar a pedalar. Literalmente uma grande M...hehehe
   Ao sair da pousada vi que estava completamente recuperado do cansaço do dia anterior, pois tive que enfrentar uma ladeira enorme para voltar à Estrada do Pacífico. O bom é que depois tem uma boa descida até a divisa com o Peru, na cidade de Iñapari, onde fiz a parada obrigatória para tirar fotos e filmar.







   Pela primeira vez estava entrando em território peruano e assim como aconteceu em outros países que pedalei, eu estava numa grande expectativa. Então logo após os devidos registros fui fazer os trâmites.
   Em seguida comecei a pedalada no país vizinho e descobri que a maldita montanha-russa ainda estava presente. Que droga! Pelo menos a estrada não apresentava buracos...hehehe
   Ah, vale destacar também que desde alguns quilômetros antes de Assis Brasil a presença de uma área com mais árvores e pássaros era constante. Enfim eu podia "sentir" um pouco da floresta amazônica.
   Tudo muito bonito, tudo muito bom, mas com 10 km pedalados o cabo da marcha dianteira arrebentou. E laiá! A cidade mais próxima estava a quase 50 km e o jeito foi esticar o que sobrou do cabo até que ele estabilizasse na coroa média. Gambiarra aprovada.







   Depois segui o sobe e desce infinito até chegar em Ibéria, onde parei num posto de gasolina com mais um pouco de dor de barriga. Ali decidi não pegar mais água das torneiras e não comer alimentos com procedência duvidosa. Sinceramente não sei o que me fez passar mal, mas queria melhorar o mais rápido possível, afinal eu tinha uma cordilheira inteira para subir...hehehe.

   No posto comprei dois refrigerantes de 600 ml e ganhei uma água de 500. Até pensei em procurar uma bicicletaria para trocar o cabo da marcha, mas desisti ao perceber que a cidade era pequena.













   Um pouco antes do meio-dia segui rumo a Alerta, distante 50 km. Passei por um pedágio, depois pela vila de San Lorenzo e então Alerta, sempre num sobe e desce constante com algumas partes planas intercaladas.
   As horas marcavam 14:30 min quando cheguei. Procurei lugares para acampar, mas não achei nenhum lugar mais afastado da estrada. Então resolvi procurar a pousada que o Fábio Eduardo da Silva (FES) havia relatado em seu blog. http://ciclovivendo.blogspot.com.br/2011/08/comecando-no-peru-inapari-ate-alerta.html
   Aqui deixo um agradecimento ao Fábio, pois boa parte do meu planejamento foi baseada no relato dele. Obrigado.













   Não sei se era a mesma pousada que o Fábio ficou, mas era uma pousada....hehehe
   Como cheguei cedo resolvi passear na cidade/vila e depois de alguns minutos tive que voltar correndo para fugir de uma chuva bem forte. De volta ao quarto fiquei feliz em não ter acampado...hehehe





   Depois deitei para ver se dormia cedo, entretanto um bar/casa de show/puteiro/etc colocou uma música num volume que até surdo ouviria. Além da música, podia-se ouvir também a algazarra do pessoal que durante o dia estava concretando as ruas da cidade e agora aproveitava para farrear. Junte tudo isso ao meu desconforto intestinal e imagine com foi a minha noite....hehehe. Faz parte, faz parte.

Alerta/PE - Laberinto/PE - 125 km pedalando + 50 km de carro - 12/01/2016

   A noite foi complicada, porém consegui descansar um pouco, acordando às 4h e 30 min atendendo um chamado da natureza: a maldita dor de barriga...hehehehe.
   Depois ajeitei minhas coisas e saí antes das 6 da manhã. Dessa vez o trajeto estava mais tranquilo, sem aquele sobe e desce infinito e com isso cheguei rapidamente na vila de Alegria, onde resolvi parar para comprar bolachas e água. Enquanto comia e descansava conversei bastante com o dono do mercadinho, um senhor de meia idade, com muita sabedoria.












   Ao sair da vila, literalmente minha alegria foi embora, pois de repente a roda dianteira travou. Ao verificar o problema descobri que as esferas do cubo foram danificadas com a chuva de dois dias atrás e que eu não tinha nenhuma esfera sobressalente para fazer o reparo. Droga!
   Parei, tirei a roda, mexi e tentei pedalar novamente, contudo não obtive sucesso. Quando estava na segunda tentativa de mexer na roda, um senhor chamado Javier, que passava de caminhonete parou e me ofereceu carona até Puerto Maldonado, onde com certeza eu poderia arrumar a bike. Não pensei duas vezes e logo subi na carroceria. É claro que a ideia era pedalar todo o trajeto, mas em casos extremos como esse temos que usar mais a razão do que o coração.


   Ali na carroceria da caminhonete vi várias vilas pequenas passando num piscar de olhos e quando me dei conta já estava atravessando a gigantesca ponte sobre o rio Madre de Dios para entrar em Puerto Maldonado. Eram 11h da manhã e eu já havia me deslocado 120 km (70 pedalando e 50 de carona)...hehehehe
   Puerto Maldonado era a maior cidade peruana desde a fronteira e, obviamente, logo achamos uma bicicletaria onde me despedi do Javier agradecendo-o imensamente. Gracias Javier.

   Na KZM bikes fui atendido pelo Moisés e não demorou muito para que ele trocasse as esferas do cubo dianteiro, o cabo de marcha e uma câmara furada que havia aparecido no começo do dia (o furo era pequeno e fui enchendo a cada 30 km até o momento da carona).

   Depois aproveitei para sacar mais alguns nuevos soles no caixa eletrônico, tirar foto na ponte citada acima e adiantar o trajeto. Aqui vale lembrar que no planejamento eu ficaria uma noite em Puerto Maldonado, mas por tudo o que aconteceu e como eu tinha a tarde inteira livre, decidi adiantar.
   A saída da cidade foi um pouco caótica, mas nada muito diferente dos grandes centros que conhecemos aqui no Brasil e aos poucos tudo voltou a ficar mais calmo, com árvores e pássaros tomando o lugar dos postes e veículos.










   Percorri 55 km até chegar em Laberinto, onde sabia que existia um posto de gasolina. Ali consegui um lugar para acampar, tomar banho e apesar do calor infernal que fazia na barraca, descansar.

Laberinto/PE - Mazuko/PE - 124 km - 13/01/2016 

   Acordei às 3h da madrugada com uma picada de inseto e descobri que minha barraca fora invadida por formigas....hehehe. Imediatamente localizei o problema: um pacote de bolachas semi-aberto e um resto de refrigerante dentro de uma garrafinha. Que M....!
   Enquanto desmontava acampamento recebi diversas picadas das hóspedes inconvenientes e ao término do serviço resolvi tomar um banho gelado para aliviar a coceira que sentia após as picadas. Nesse momento meu corpo também avisou que o problema intestinal continuava firme e forte. E foi assim, entres picadas, coceiras e cagadas que comecei o dia. Haja paciência....hehehe
   Esperei até ás 5h, para que houvesse um pouco de claridade, e só então comecei a pedalar. Com sono e debilitado pelo problema intestinal, me arrastei por 23 km até encontrar uma espécie de complexo turístico, onde havia uma boa lanchonete.



   Comi uma espécie de batata chips feita de banana, alguns pedaços de torta e bebi muita água, porém ao continuar a pedalada ainda me sentia cansado. Aos poucos fui avançando e encontrando várias vilas, muitas delas formadas a partir de acampamentos para extração de minérios. Até então nenhuma delas tinha chamado minha atenção, mas após Alto Libertad comecei a atravessar um imenso lixão a céu aberto antes de uma área cheia de comércio, sujeira e bagunça. Foi realmente chocante ver como as pessoas se adaptaram aquela vida que pra mim parecia um caos. Já no final da vila parei para comprar frutas, mas arregalei o olho ao ver a má higiene da barraca de frutas: havia mais moscas do que clientes....hehehe. Resolvi comprar apenas bananas pelo fato de descascar antes de comer.
   Ironia do destino, ou não, logo após comer as bananas tive que fazer uma parada estratégica no banheiro de um posto de gasolina.
















   Depois continuei me arrastando até a cidade/vila de Santa Rosa, onde finalmente sairia daquele marasmo e começaria a enfrentar subidas e mais subidas.

   O dia já havia passado da metade quando, após um pequeno descanso, saí de Santa Rosa e comecei a enfrentar subidas mais complicadas.
   Primeiro pedalei pela serra que recebe o mesmo nome da cidade e naquele momento eu estava tão feliz com a mudança do relevo e da paisagem, que até esqueci do mal estar que estava sentindo durante o dia.
   Aproveitei o ânimo para curtir cada instante da pequena subida de 1,5 km e dos outros 22 km de sobe e desce acentuados até a cidade de Mazuko. Contemplei a densa floresta que estava atravessando, o gigantesco rio Inambari e a Cordilheira dos Andes no horizonte. Foi um daqueles momentos mágicos que toda aventura tem.

















   Ao acordar do transe descobri que já estava muito próximo de terminar a pedalada do dia quando parei pra conversar com alguns policiais que faziam uma blitz na estrada. Todos foram bem atenciosos comigo e avisaram que Mazuko estava muito próxima. Realmente eles que informaram com muita precisão, pois entrei na cidade ao completar a quilometragem dita pelo policiais.

   Não tive dúvidas em procurar por um hotel e bastou me instalar no quarto para a barriga reclamar mais uma visita ao trono. Eu havia acabado de tomar um isotônico, mas o mesmo não ficou cinco míseros minutos em meu corpo....hehehe.

   Depois saí para comprar bolachas água e sal, maçãs e outro isotônico. Na volta tive que passar novamente no banheiro. Que droga! Já tinha eliminado o refri e então decidi eliminar os isotônicos, ficando só na água mesmo. Ainda era cedo quando resolvi ficar no quarto para recompor as energias. Fiquei assistindo televisão, comendo frutas e bolachas até pegar no sono antes das 18h.

Mazuko/PE - Quincemil/PE - Mamabamba/PE - 105 km - 14/01/2016

   Finalmente consegui dormir bem e recuperar as energias. Ao acordar percebi que tive quase 12h de sono e que o cansaço acumulado dos dias anteriores fora completamente eliminado, mas como ainda estava preocupado com meu estômago, continuei me alimentando de bolachas água e sal, frutas e água.
   A saída de Mazuko ocorreu por volta das 7h e os primeiros 17km foram de um sobe e desce parecido com o fim do dia anterior, inclusive com o rio Inambari sempre do lado direito.













   Após esse primeiro trecho cheguei na famosa ponte Inambari, onde a estrada bifurca. As opções são Puno, Juliaca, Bolívia ou Cusco, litoral, Lima e obviamente meu destino seria a segunda opção, na qual eu teria que atravessar a imponente ponte, mas antes tive que parar e registrar o local.







   Encostei a bicicleta numa pedra, comecei a fotografar e filmar e de repente vejo, quase em câmera lenta, a bike cair e bater o câmbio traseiro na bendita pedra. Imediatamente corri para ver se algo havia estragado e percebi que as marchas não estavam funcionando corretamente. Que M...! Fiz alguns ajustes e comecei a atravessar a ponte, mas logo depois vi que não havia ficado bom. Então resolvi trocar a corrente e apertar o parafuso que deixa o câmbio mais esticado. Bingo!
   Aliviado segui num sobe e desce repleto de cachoeiras ao lado da estrada, simplesmente perfeito.










   Um pouco depois das nove horas da manhã cheguei numa parte onde a estrada estava fechada por causa de deslizamentos, coisa comum nesse trecho. Enquanto esperava a liberação da pista aproveitei para descansar, comer um chips de banana e conversar com um taxista. Papo vai, papo vem, fui informado de uma vila chamada LimacPunko, onde haveria hospedagem caso eu precisasse. Agradeci ao taxista e segui, mesmo com a pista ainda interditada, pois o tempo parado já ultrapassava meia hora.
   O pessoal foi bem camarada e parou as máquinas para eu passar. Ao final agradeci e segui meu caminho. E que caminho! Eu já não me importava com as inúmeras subidas, pois tudo era realmente espetacular: floresta, rios, cachoeiras, etc.
   Faltando 6km para Quincemil enfrentei uma subida mais forte, de aproximadamente um quilômetro, e comecei a sentir o cansaço. Subi devagar, sob um sol forte e coloquei na minha cabeça que iria terminar o dia em Quincemil, porém depois do aclive apareceu uma boa descida e comecei a mudar de ideia...hehehe.






















   Ao chegar em Quincemil parei na primeira vendinha que avistei e tomei quase dois litros de água...hehehe. Conversando com a atendente descobri que no local também funcionava uma tentadora pousada, mas como a tarde estava apenas começando e principalmente porque a atendente disse que LimacPunko estava a apenas 30 km, resolvi seguir.
   Pelo planejamento eu sabia que depois de Quincemil a temida Cordilheira dos Andes deveria ser enfrentada, mas também sabia que os trinta primeiros quilômetros seriam numa subida mais tranquila, o que era ótimo pra chegar na tal de LimacPunko (que não estava no meu planejamento) antes do anoitecer.
   Realmente eu havia pesquisado certo em relação ao aclive. Coloquei na coroa do meio e segui apreciando a beleza ímpar da cordilheira em meio à selva amazônica. Foi mais um momento mágico na aventura, tanto é que nem percebi os quilômetros passarem. Só "acordei" em dois momentos: ao passar num pedágio inativo, 8km de Quincemil, e ao levar um tombo, 20km após começar a subida.













   O tombo ocorreu por causa de um dos diversos córregos que atravessavam a estrada. Após passar por muitos desses córregos sem nenhum problema, nesse o pneu dianteiro escorregou no limo e não teve jeito, caí na hora. Eu estava a míseros 8km/h, mas mesmo assim senti o impacto da cabeça no chão. Ainda bem que eu estava de capacete e, apesar do susto, nada aconteceu.
   Recuperado segui subindo a cordilheira, imaginando estar próximo de encontrar a hospedagem de LimacPunko, entretanto ao encontrar um nativo perguntei sobre a vila e incrédulo recebi a notícia de ainda estar muito longe dela. Como assim? Não eram só 30 km? Comecei a passar por algumas casas e perguntar para todas as pessoas que via. Infelizmente a resposta era sempre a mesma.
   Ao completar os trinta quilômetros cheguei numa vila chamada San Miguel, onde não havia hospedagem alguma. Fiquei p. da vida com a moça lá de Quincemil, porém o jeito era seguir, mesmo sabendo que logo em seguida a inclinação da subida iria aumentar consideravelmente.
   Exatamente após passar por San Miguel e atravessar uma ponte, o aclive ficou bem mais pesado, me obrigando a usar a coroa menor.










   A paisagem continuava surreal, mas o psicológico não estava ajudando. Aos poucos fui avançando montanha acima e quando cheguei numa vila chamada Mamabamba avistei um ótimo lugar para acampar, bem em frente a uma casinha simples. Parei, conversei com os proprietários e obtive o consentimento para pernoitar ali.
   Enquanto armava a barraca pude conversar bastante com o pessoal, incluindo diversas crianças. Então soube que havia um mercadinho na casa ao lado e não perdi tempo em aumentar meu estoque de comida, pois os próximos dias seriam bem complicados.





   Ah, durante o dia inteiro não senti os problemas estomacais e percebi que poderia tomar um refrigerante para terminar o dia. Dormi feliz...hehehe

Mamabamba/PE - Marcapata/PE - 35 km - 15/01/2016

   Apesar de um temporal com raios e trovões e de um fluxo considerável de veículos durante a madrugada, tive uma boa noite de sono, acordando logo após às 5h.
   Ao desmontar acampamento descobri que a nova capa de proteção da barraca foi 100% aprovada, pois não deixou uma gota passar. Perfeito!
   Depois bastou comer algo, agradecer o pessoal e seguir escalando a cordilheira.
   A paisagem ficou ainda mais bonita com a chuva noturna, pois os rios aumentaram de volume e surgiram cachoeiras de diversas partes das montanhas.
   Devagar fui apreciando cada curva, cada cascata, cada paredão rochoso. Aproveitei para tirar inúmeras fotos e fazer vários vídeos.
   Com 1,5km apareceu um pequena vila chamada Ttio e depois tive a impressão de ficar contornando a mesma montanha durante 14 km, quando enfim cheguei na tal de LimacPunko, onde realmente existem hospedagens.
   Fiz uma pequena parada para descanso e alimentação. Enquanto comia e descansava, várias crianças vieram matar a curiosidade. Conversei um tempo com elas e depois segui.

























   No meu planejamento faltavam apenas 8 km até Marcapata, mas a realidade se mostrou bem mais cruel, pois foram quase 17.
   Subi, subi, subi e quando imaginei ter chego, ainda faltava 1km. Apesar do cansaço pude aproveitar muito a região e pela primeira vez na viagem avistei terrenos demarcados com o mesmo estilo das ruínas incas.


   Ao atravessar uma ponte vi um lance de subidas no estilo de caracol, depois outro e mais outro, até que olhei uma placa indicando Marcapata e percebi o tamanho da inclinação da estrada. Antes de enfrentar essa última parte, com altíssima inclinação, respirei fundo, tomei um pouco de água, comi algumas bolachas e mentalizei: depois dessa eu termino o trecho do dia....hehehe.





























   O dia estava exatamente na metade quando cheguei em Marcapata e me instalei numa pousada. Até pensei em seguir subindo a cordilheira, mas a altitude já ultrapassava os 3000m e eu precisava aclimatar.






   Na pousada descobri que não havia chuveiro quente e o dono disse me eu poderia ir nas águas termais, um quilômetro abaixo, justamente na vila que ficava logo abaixo ao trecho de inclinação gigantesca. Pô, se soubesse disso teria tomado banho antes de chegar na cidade....hehehe. Sem opções desci, encontrei uma das casas de banho e relaxei. Aqui vale destacar que o local não era muito bonito e nem higiênico, mas serviu para o banho. Depois fiquei sabendo que a maioria da população de Marcapata toma banho nessas casas e dei graças de ter ido num horário tranquilo.


   Ao voltar para a cidade pude apreciar uma grande parte do trajeto que havia percorrido e fiquei ainda mais maravilhado com a paisagem. Fiz alguns registros e quando voltei para a pousada vi a porta fechada e uma multidão na praça.
















   Pelo que entendi, estavam começando a comemorar o aniversário da cidade que iria acontecer daqui a alguns dias. Tentei procurar o dono da pousada, mas como todas as pessoas (com suas vestes coloridas e seus os traços indígenas) eram muito parecidas desisti e acabei acompanhando algumas gincanas bem engraçadas. Por fim ainda comi alguns espetinhos de lhama torcendo para que o intestino aceitasse....hehehe.
   Depois de um tempo vi a porta da pousada aberta e fui descansar. Saindo somente mais tarde para tentar comprar uma memória pra máquina digital, sem sucesso. Nessa hora uma garoa fina tomou conta da cidade e a temperatura despencou, me obrigando a usar o anorak pela primeira vez na viagem. Passei o resto da tarde deitado debaixo dos cobertores assistindo tv. 

Marcapata/PE - Ocongate/PE - 71 km - 16/01/2016

   Ao começar o último trecho da temida subida da cordilheira tive uma grata surpresa, pois logo na saída de Marcapata teve um descida de quase 1 km. Depois, só subiu...hehehe.
   A estrada serpenteava a montanha e a cada lance de curvas de 180º a vista do local ficava mais espetacular. Subi 5km bem inclinados e cheguei numa vila chamada Huayllalloc, onde um morador disse que faltavam "apenas" 16. Fiquei feliz naquele instante, mas como já estava "vacinado" em relação as informações dadas pelos nativos resolvi olhar o meu planejamento e restavam 20 km até o topo. Droga!
   Bem devagar continuei em ascensão e em pouco tempo podia ver a vila bem abaixo. Logo depois passei por alguns trechos onde existiam paredões nos dois lados da estrada, vi no horizonte o trajeto contornando as montanhas acima de mim e enfrentei um trecho onde a inclinação aumentou. O bom era que todo esforço estava sendo recompensado pela belíssima paisagem. A simplicidade de uma flor, os contornos da estrada ou a imponente cordilheira deixavam a pedalada prazerosa.



























   Faltando 10 km para chegar ao topo encontrei um policial que afirmou faltarem 14. Eu já não sabia mais em quem acreditar, pois os moradores falavam uma distância menor, meu planejamento uma intermediária e o policial dizia ser 4 km a mais.
   Continuei subindo e ao chegar na vila de Tambopampa vi dois ciclistas descendo a montanha. Quando eles chegaram mais perto percebi uma bandana brasileira no rosto de um e gritei: BRASIL!
   Imediatamente os dois pararam parar falar comigo. Luan e Israel, moradores de Rio Branco/AC estavam fazendo o caminho contrário, pois no ano anterior já tinham feito a subida. Conversamos durante um tempo, trocamos informações e nos despedimos. Aqui está a reportagem sobre a primeira viagem deles: http://globoesporte.globo.com/ac/noticia/2015/01/em-ida-e-volta-trio-pedala-900km-do-acre-ao-peru-e-ve-neve-foi-o-auge.html















   Ao seguir enfrentei outro trecho bem complicado e tive que fazer várias paradas para recuperar o fôlego, pois a altitude já estava acima dos 4000 m. O frio também aumentou e numa dessas paradas tive que colocar o anorak, pois uma garoa bem gelada começou a cair. Porém guardei-o logo em seguida.
   Cada vez mais ofegante continuei pedalando e curtindo aquele local mágico. Muitos lances de curvas no formato de caracol foram aparecendo e nada da subida terminar.
   De repente vi um local que parecia ser o fim, porém o trajeto até lá seria longo e demorado. Foram quase 30 min para percorrer os últimos 1500 m, pois fiz inúmeras paradas para respirar fundo e também registrar o momento.




































   A felicidade de ter vencido mais uma vez a Cordilheira dos Andes era imensa. Parei na placa que indicava a Abra de Pirhuayani e contemplei a altitude indicada: 4725 metros acima do nível do mar. Olhei o velocímetro e descobri que o policial estava certo, pois foram 30 km entre Marcapata e o topo da montanha, 4 a mais que meu planejamento. Por falar em planejamento, eu havia programado 80 km de subidas, mas na realidade foram 100 km (35 até Mamabamba, 35 até Marcapata e 30 até ao topo). Apesar de ter subido muito mais do que imaginava, naquele momento eu sabia que a parte mais difícil havia passado. Fotografei e filmei tanto que as memórias da máquina digital e do celular acabaram. Depois relaxei e gravei em minha memória aquele momento, aquele local, aquela placa e as lagoas com o nevado Ausangate ao fundo.










   Ao iniciar a descida já estava bem protegido do vento e do frio e como não tinha mais como tirar fotos, aproveitei para "voar" montanha abaixo.
   Num momento tive que parar, deletar alguns vídeos e fotografar mais um pouco....hehehe. A região é espetacular.
   Depois passei por várias vilas bem mais estruturadas do que as que tinham na subida, parando somente em Tinke, onde consegui comprar uma memória de 8 Gb por aproximadamente R$ 22,00.























   De Tinke segui descendo até chegar em Ocongate, distante 41 km do topo. Resolvi ficar numa hospedagem e após um banho frio, fui passear na cidade.
   Perambulei pelas ruas de Ocongate, comprei iogurte, bolachas, salgadinho e chocolate, mas depois ainda parei num restaurante para saborear uma gigantesca porção de batata frita por míseros 2 soles (quase R$ 2,50).












   Ao voltar para a pousada senti que, apesar de estar a 3600 m, minha respiração estava ofegante. Fiquei preocupado, pois senti meu corpo cansado pelo resto do dia.

Ocongate/PE - Cusco/PE - 115 km - 17/01/2016

   O último e derradeiro dia de pedal estava programado para terminar em Urcos e se tudo ocorresse bem, eu adiantaria até Cusco.
   Choveu durante toda a noite e ao acordar descobri da pior maneira possível que o chão do quarto estava alagado: pisei descalço na água fria...hehehe. Tirando essa parte, a sorte estava do meu lado, pois nenhuma parte da bagagem molhou e minutos antes de eu partir a chuva parou.
   Ao sair de Ocongate desci 2 km e depois enfrentei o primeiro desafio do dia: uma subida de 10 km com aproximadamente 500 m de desnível. Tudo conforme o planejamento.
   Devagar fui apreciando a paisagem que em muitos momentos me lembrou os Alpes, inclusive na parte final, onde pude ver ao longe montanhas nevadas. Depois descobri que se tratava da mesma montanha do dia anterior, o imponente nevado Ausangate.














   Em seguida desci por uns 6 km e enfrentei um sobe e desce até chegar na vila Kcauri para começar a segunda subida do dia.
   Logo no início desse segundo desafio um motoqueiro chamado Marcos viu a bandeira brasileira na minha bicicleta e imediatamente parou. Ele espantado por eu estar de bicicleta e eu, também espantado, com a grande aventura dele. Marcos, que havia saído de Luziânia, estava dando uma "pequena" volta de onze mil quilômetros pela América do Sul (Expedição Tenerando Sulamérica) e naquele momento tinha recém completado 4000. Conversamos muito e combinamos de nos encontrar em Cusco.














   Ao continuar a subida pude apreciar a vila de Kcauri ficando cada vez mais pequena e depois de 8 km cheguei na Abra Cuyuni, com seus 4185 m acima do nível do mar. Lembro que o último quilômetro fora complicado, mas nada que algumas paradas rápidas para recuperar o fôlego não resolvessem.







   Como já era de praxe, parei, tirei fotos, filmei e comecei a descida. Com o anorak no corpo pude aproveitar o alucinante declive sem me preocupar com a neblina e com o frio. Curvas, precipícios e muita adrenalina fizeram parte dos quase 20 km espetaculares até a cidade de Urcos, que já era vista durante boa parte da descida.





   O dia já estava na metade quando contornei Urcos passando ao lado da sua lagoa e segui para Cusco.




   Não sei se eu estava ansioso pra terminar a pedalada ou se realmente não havia muita coisa legal no trecho (quase plano) entre Urcos e Cusco, pois tirando uma lagoa e alguns pequenos sítios arqueológicos, nada me chamou a atenção.
   Ao avistar a placa/portal que indica a chegada em Cusco tirei a foto que simbolizou o dever cumprido da pedalada, mas ao mesmo tempo sabia que teria mais uns 15 km, numa subida leve e constante, até o centro histórico.






   Esses quinze quilômetros foram marcados por regiões que mostram a verdadeira realidade de Cusco, com muita sujeira e pouca estrutura. Porém ao chegar próximo do centro histórico tudo muda, incluindo até guardas parando o trânsito para que os turistas possam transitar. Na hora veio em mente lugares brasileiros muito parecidos, onde existe uma "maquiagem" da realidade apenas para que o turista fique com uma boa impressão. OK, OK, é lógico que o turismo é uma fonte de renda indispensável para certos lugares, mas acredito que deveria ter um investimento maior para a população local.
   Pois bem, já no belo e bem cuidado centro histórico procurei pelo hostel Estrelitta sem sucesso e acabei seguindo para o Pirwa. Eram apenas três horas de tarde quando encostei a bicicleta no pátio do hostel e pensei: agora só falta o grande final em Machu Picchu.
   Ajeitei minhas coisas no quarto, tomei um banho e fui passear na cidade. Primeiro comi uma farta macarronada, depois comprei uma calça e pesquisei preços para fazer o passeio até Machu Picchu.











   De volta ao hostel, enquanto esperava o horário para encontrar o motociclista Marcos e sua esposa Denise, conversei e peguei várias dicas com um paulista que reside na Austrália. No horário combinado fui até a plaza de armas e como não achei o casal resolvi comer uma pizza e tomar uma cerveja Cusqueña para comemorar o fim da pedalada.



   Depois os encontrei num outro restaurante e aproveitei para tomar mais cerveja...hehehe. O Marcos, conforme relatado anteriormente, estava viajando de moto e a Denise chegou de avião para que os dois pudessem conhecer a famosa cidade perdida dos Incas. Conversamos bastante e depois fui mostrar o hostel pra eles. Nessa hora aceitamos convites para uma balada de reggae, salsa e merengue. O local era bom, mas por causa do cansaço não fiquei muito tempo, saindo de lá quase meia-noite para praticamente desmaiar na cama do hostel. O Marcos e a Denise aproveitaram um pouco mais.

Cusco e Águas Calientes - 18, 19, 20 e 21/01/2016

   Os dias seguintes foram dedicados ao turismo em Cusco e Águas Calientes.

   No dia dezoito acordei cedo, mas fiquei enrolando até 7:30 para tomar o café do hostel. Suco, iogurte, pães com geléia e/ou manteiga e café foram consumidos durante um bom tempo...hehehe.
   Depois fui encontrar o cicloturista Alexandre Cruz, que já estava na estrada um bom tempo e tinha feito o caminho entre Curitiba, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia e Peru. (Vejam as fotos incríveis que ele tirou na viagem: https://www.facebook.com/cruzalexandre/photos_albums)
   No caminho aproveitei para tirar mais algumas fotos do centro histórico de Cusco, procurar caixas para embalar a bicicleta e achar o hostel Estrelitta, onde se encontrava o Alexandre.





   Já no hostel descobri o motivo de muitos cicloturistas recomendarem o local, pois além da receptividade notável e do preço menor, existe um amplo espaço para guardar com segurança as bicicletas, podendo deixá-las guardadas enquanto se está conhecendo Machu Picchu. Aqui vale lembrar que onde eu estava hospedado, o hostel Pirwa, também oferecia tudo, mas me pareceu que o Estrelitta era especializado em receber cicloturistas....hehehe
   Pois bem, ao encontrar o Alexandre a resenha foi longe. Ficamos a manhã toda conversando sobre as regiões pelas quais passamos, as pessoas que conhecemos, os perrengues enfrentados e é claro, Machu Picchu. Peguei dicas valiosas para conhecer a cidade perdida dos Incas de um jeito mais econômico, porém isso implicava em ter que caminhar aproximadamente 30 km pelos trilhos do trem.

   Ao me despedir do Alexandre fiquei pensando sobre essa possibilidade mais barata, mas como caminhar uma distância grande não estava nos meus planos resolvi escolher ir de van até a hidrelétrica de Santa Tereza e de lá caminhar "apenas" 10 km até Águas Calientes. Com a decisão tomada fui procurar agências para o translado e depois de muito pechinchar encontrei uma van por 45 soles (aprox R$ 50,00). Pensei em comprar a volta também, mas decidi deixar de ser pão duro e voltar de trem ( U$ 60,00).
   Com tudo resolvido comi um pizza, procurei e não encontrei o Marcos e a Denise e fui dormir.



   O dia seguinte, 19/01, começou e continuou chuvoso durante um bom tempo, mas isso não impediu alguns passeios por Cusco.
  Ainda no hostel conversei com dois mochileiros: a Thaís e o Marcelo, ambos fazendo um trajeto pela América do Sul. Depois acompanhei a saga do Marcelo pela cidade de Cusco para comprar as passagens mais em conta pra conhecer Machu Picchu já no dia seguinte e também bilhetes de ônibus para Copacabana, Bolívia.
   Andamos por tudo e além de achar um bom mirante para fotos perto do hostel Loki, também encontramos diversos restaurantes mais baratos nos quais saciamos a nossa fome. No almoço teve arroz, peixe a milanesa, tomate, pepino e chá e na janta aproveitamos uma sopa de feijão, macarrão e suco. Perfeito!
























   O deslocamento até a vila de Águas Calientes ocorreu em 20 de janeiro e durou praticamente todo o dia.
   Primeiro peguei a van que me levaria até a hidrelétrica de Santa Tereza e conheci o Jair, um mochileiro colombiano que ficou interessado em se aventurar de bike, porém a prosa foi interrompida quando o motorista da van decidiu não fazer a viagem por não concordar com o preço pago a ele. Pra encurtar a conversa, o Jair acabou indo em outra van e eu, junto com outras pessoas, fiquei esperando uma hora a solução para o problema.
   Obviamente atrasados, conseguimos sair de Cusco, mas logo o novo motorista da van parou outra vez, porém foi só pra pegar dois passageiros que perderam a van deles....hehehe.
   Aos poucos percebi que esses dois passageiros falavam português, mas não consegui identificar o sotaque e após longas horas de estrada, por caminhos cheios de curvas e precipícios, pude conversar com os dois e descobri que eram portugueses. Estava explicado o "sotaque" diferente....hehehe
   João e Chico eram estudantes de medicina e após o fim do intercâmbio que fizeram no Brasil, resolveram viajar pela América do Sul. Eles estavam preocupados, pois ao perderem a van correta por causa de um taxista não sabiam se tinham sido enganados. O jeito era seguir até Águas Calientes e descobrir as consequências lá.
   A van continuou atravessando a montanha chamada Abra Málaga, depois entrou numa estrada de terra que parecia a Carretera de la Muerte e finalmente (são e salvos) nos deixou na hidrelétrica, mas o motorista, que não parou em Santa Tereza, ainda teve que escutar as reclamações de muitos passageiros que tinham pago pelo almoço na vila. Não sei como terminou essa história, porém acredito que todos foram ressarcidos.




   Da hidrelétrica até Águas Calientes são aproximadamente 10 km seguindo a linha do trem. Não tem erro, basta seguir o fluxo das pessoas.
   Logo no começo da caminhada encontramos mais três aventureiros falando a nossa língua: as irmãs capixabas Érika e Karen e o lusitano Diego. A resenha imperou durante todo o trajeto e pudemos conhecer e admirar a viagem de cada um. Show!
   Sobre a paisagem, o mínimo que se poder dizer é: espetacular. Seguindo os trilhos do trem, tínhamos o caudaloso rio Urubamba do lado esquerdo, montanhas por todos os lados e uma densa vegetação em alguns momentos. Pena que no momento que poderíamos ter visto um pedaço da cidade de Machu Picchu no alto da montanha o tempo estava chuvoso.
   Quase na chegada a Águas Calientes eu levei uma bronca do maquinista do trem, pois pedi para o Diego tirar uma foto...hehehe. Pelo menos a foto valeu a pena.














   Já na vila o grupo se separou e eu comecei a minha saga de procurar pousada barata. Diferente da maioria das pessoas, eu iria ficar um dia inteiro em Águas Calientes e então decidi ficar numa pousada com televisão no quarto. Ao achar o que queria, tomei um banho e fiz um rápido passeio na simpática vila.

   O dia que antecedeu a histórica visita a Machu Picchu foi dividido em duas partes: de manhã fiz o caminho até a entrada da cidade perdida, pois queria ver como seria a subida e de tarde aproveitei para desfrutar da encantadora vila de Águas Calientes, inclusive relaxei por longos minutos nas águas termais do vilarejo, me sentindo dentro daqueles filmes com resorts cercados por montanhas...hehehe.
   O único destaque negativo ficou por conta do almoço, pois no local escolhido a comida demorou muito pra chegar e quando finalmente trouxeram, estava fria. Sem falar no péssimo atendimento e olha que não sou exigente pra essas coisas. Não lembro o nome do estabelecimento, mas sei que fica ao lado da hospedagem Jairito.

















   Em geral gostei bastante de Águas Calientes, também conhecida como Machu Picchu Pueblo. Infelizmente muitos turistas apenas passam rapidamente pela vila, mas acredito que vale a pena "perder" um tempo pra conhecer o local.

Machu Picchu - 22/01/2016

   Havia chego o dia de realizar mais um sonho. Sonho esse que aumentou consideravelmente quando acompanhei o relato do meu amigo Nelson Neto em sua aventura pela América do Sul. http://www.cicloturismoselvagem.com.br/2012/09/peru_23.html
   Acordei cedo e segui o grande fluxo de pessoas pelo mesmo caminho que percorri no dia anterior. Em pouco tempo já estava no primeiro posto de controle e bastou esperar alguns minutos na fila para ser autorizado a fazer a subida até a entrada de Machu Picchu.

   Como a subida era a mesma que eu havia feito no dia anterior, bastou ter paciência para percorrer os, aproximadamente, trinta minutos em aclive. Depois enfrentei outra fila e mesmo com uma densa neblina...UAU!
   Mal podia acreditar, mas diante dos meus olhos estava uma das sete maravilhas do mundo moderno. Tirei algumas fotos e fui direto para a entrada de Wayna Picchu (ou Huayna Picchu), pois ao comprar a entrada decidi pagar um pouco mais para poder ver Machu Picchu do alto. Mais alguns minutos de espera e logo estava subindo novamente, mas dessa vez o risco era maior. Um passo em falso e adeus Aramis....hehehe. Naquele horário (7h) havia umas 30 pessoas para subir e novamente bastou seguir o fluxo para chegar ao topo, onde cada um ficou num lugar estratégico esperando a neblina se dissipar.



























   Por mais de uma hora todos ficaram na expectativa da grande visão e quando ela veio um coro ecoou no alto de Wayna Picchu: OOOOOHHHHHH!
   Talvez a frase que mais se encaixe no sentimento que tive ao ver a majestosa, surreal, "fantasticamente fantástica" Machu Picchu é:

   "Você sabe que encontrou a felicidade quando vive um momento que não quer que acabe."
                                                                                           Clóvis de Barros Filho 


   Lembro que gravei um vídeo dizendo que os quase 1000 km pedalados entre Rio Branco e Cusco valeram muito a pena. Gosto muito de comparar momentos de felicidade com o olhar de Christopher McCandless em uma das primeiras cenas do filme na Natureza Selvagem.


















   Ainda em transe com a realização de mais um sonho, comecei a descer e pedi para um casal tirar uma foto que considero a melhor da aventura: eu de costas, sentado no precipício, com os braços abertos e Machu Picchu abaixo e ao fundo. Que sensação de liberdade incrível.


   Feliz, continuei a descida e perambulei pelas ruínas até estar saciado de tanta cultura e beleza. Deixo abaixo os registros, pois eles podem dar uma noção do quão espetacular é o local.



































   Ao regressar para Águas Calientes encontrei o Tiago, outro mochileiro brasileiro. Conversamos durante toda a descida e depois nos despedimos, pois ele iria voltar pela hidrelétrica.
   Na vila de Águas Calientes almocei duas pizzas num restaurante bem diferente do dia anterior, ou seja, atendimento nota 10. Para se ter uma ideia o garçom fez questão de saber como se falava garfo, colher e faca em português só para atender melhor outros brasileiros no local. Show! Inti House é o nome do restaurante.

   Após o almoço o cansaço me venceu e passei o resto da tarde descansando na pousada.


O fim - 23 e 24/01/2016 

   Realizado por ter fechado a viagem com chave de ouro, voltei para Cusco no dia 23 e caminhei por muito tempo até encontrar uma caixa para embalar a bicicleta. Em Cusco todos cobram pelo papelão e as bicicletarias exigem um preço muito alto por uma caixa de bicicleta. Andei, andei e achei uma caixa de máquina de lavar por 2 soles (aprox. R$ 2,50) na avenida el Ejercito. Nessa avenida também presenciei uma feira um tanto quanto nojenta, pois ao perceber que alguns dos alimentos vendidos estão estragando, os próprios feirantes os jogam no meio da rua, inclusive carnes que acabam atraindo urubus, ratos, moscas, etc e ainda deixam a feira com um fedor horrível.
  Pois bem, depois embalei a bicicleta e fui para o aeroporto, onde passei a última noite. Parecia em hotel 5 estrelas só pra mim....hehehe



   Ao chegar em Curitiba montei a bicicleta e, pra não perder o costume, pedalei até Paranaguá...hehehe

   Agradeço novamente todas as pessoas que fizeram parte dessa aventura:OBRIGADO!

9 comentários:

  1. Belíssimo relatório, Aramis. Bom saber que o 'plano' do Acre é um sobe e desce. Se Deus quiser passaremos por ali, em 6 amigos, agora em março. Faremos Cusco -PE até Rio Branco AC - BR.

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    1. Opa,obrigado Joacir (pelo menos acho que foi você que comentou aqui...hehehe).
      Aos poucos estou terminando o relato. Espero terminar logo....hehehe

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  2. Legal, segunda parte muito legal, realmente pelas fotos região belíssima. Parabéns...Joacir

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  3. Espetaculaaar Aramis, viagem para poucos...

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    1. Opa Jorge, logo vc será um desses poucos. Amadureça essa ideia....hehehe

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  4. Finalizou em grande estilo.........maravilha pura.

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  5. Cara, você me fez saborear uma deliciosa nostalgia...sua aventura foi magnífica assim como a sua pessoa. Obrigado por lembrar da gente no seu blog, achei o máximo, me senti importante,,,kkkk. Vivi momentos inesquecíveis nesse meu passeio, que terminou aos 13.500kms, ter participado um pouco da sua avetura pra mim foi muiiito honroso. Sempre que me perguntam sobre a viagem relato nosso encontro a quase 5mil metros de altitude, eu me achando por estar fazendo aquilo de moto e eis que me deparo com o verdadeiro aventureiro; no pedal...você é phd!!! Espero um dia poder revê-lo e dar-te um abraço apertado de satisfação... Se vieres pelo Goiás, entorno Df, me dê a honra de uma prosa. Obrigado amigo, bons caminhos pra você.

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  6. Aramis, obrigado por esse relato, que incrível aventura! Moro em Belém PA e sonho em passar por macchu picchu pedalando, saindo de inapari, com a vontade de ir até a nascente do rio Amazonas.. quem sabe um dia isso se torne realidade né.. não sei se vc vai ver essa mensagem mas obrigado por ajudar a inspirar esse sonho. Abraço

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